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Corrida da transição energética

Brasil produz mais energia do que consome e tem a maior porcentagem de geração vinda de fontes renováveis entre as nações comprometidas com a diversificação de matrizes


Era 13 de dezembro de 2023, quando os 195 países participantes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 28),realizada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, estipularam, no último dia do encontro, o prazo de até 2050 para promover a transição energética. Mas, antes mesmo do período limite, a capacidade de geração de energia por fontes renováveis deve ser triplicada a nível mundial. 


Uma mudança prevista para acontecer até 2030. Para o Brasil, a decisão é estimulante. Visto com grande potencial na corrida pela transição energética, o país reconhece a necessidade de um engajamento amplo para inflar a diversificação das matrizes e criar um impacto significativo nas ações de combate às mudanças climáticas.


Por aqui, graças à variedade de insumos, as fontes renováveis sempre existiram, sendo responsáveis por 89% da eletricidade brasileira, segundo dados do Balanço Energético Nacional 2024, e por 47% de toda a energia produzida, de acordo com o Atlas da Eficiência Energética 2023. Ambas publicações são da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). 


Os índices se sobressaem ainda mais no contexto global. A comparação da participação de fontes renováveis na Oferta Interna de Energia (OIE) entre as demais nações não passa da média de 14%. Isso faz com que o Brasil tenha chances de se tornar uma referência. “Já temos uma matriz predominantemente renovável, com destaque para as hidrelétricas, e estamos investindo cada vez mais em energia solar e eólica. Além disso, temos vastos recursos naturais e condições climáticas favoráveis para expandir essas fontes. Isso contrasta com muitos países que ainda dependem fortemente de fontes não renováveis, como petróleo e carvão”, explica o engenheiro eletricista Laércio Pereira Cardoso, especialista em eficiência energética na Secretaria de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (SAERP) e professor na Faculdade de Tecnologia (FATEC) ribeirão-pretana. 


O protagonismo ganha reforços com a presidência temporária no Grupo dos 20 (G20), que tem sua 19ª reunião de cúpula marcada para os dias 18 e 19 de novembro deste ano, no Rio de Janeiro, além da COP 30, que também tem sede garantida para 2025, em Belém, no Pará. Há uma estimativa de que o G20 – formado por África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além da União Africana e da União Europeia – possa representar quase 80% das emissões de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N20) na atmosfera. “Pelo uso de fontes renováveis, emitimos menos gases de efeito estufa por habitante do que a maioria”, conta o Prof. Dr. engenheiro agrônomo  Marcelo de Almeida Silva, conselheiro do Crea-SP pela Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (FCA/Unesp), campus Botucatu. 



De qualquer forma, o desafio de descarbonizar e até de neutralizar a atividade energética brasileira existe e é presente. Até porque a transição não é uma novidade. De tempos em tempos, com o avanço da humanidade, surge a necessidade de substituir as fontes de maior impacto por aquelas que apresentam maior eficiência. Diante da crise climática, a demanda se torna urgente. Para onde vai tanta energia? Antes de tudo, é preciso saber como é gasta toda a energia gerada. “O maior consumo energético do Brasil se divide em dois setores principais: o de transportes [35%] e o industrial [34%]”, aponta o Eng. Eletric. Heverton Bacca Sanches, coordenador adjunto licenciado da Câmara Especializada de Engenharia Elétrica (CEEE) do Crea-SP. Em seguida, estão as residências, o setor energético, o agronegócio, serviços e outros. 


“Na mobilidade, ainda se usa muito combustível fóssil. Para resolver, teríamos que trocar os veículos por opções eletrificadas”, completa o  engenheiro eletricista. A eletrificação, no entanto, atinge um outro ponto de preocupação, que é a capacidade estrutural dos municípios de alimentar grandes frotas, o que pode gerar um novo problema. Em uma análise na cidade de Lins, no interior do estado de São Paulo, por exemplo, os impactos potenciais se mostraram tão prejudiciais quanto os da própria combustão. Paralela a uma nova forma de consumir, o Brasil também precisa resolver uma outra questão, que é a inconstância das gerações hídrica, solar e eólica. É justamente pela mutabilidade dessas fontes, que dependem do clima e da natureza, que ocorrem os famosos apagões, momentos em que o pico de consumo é tão alto que as subestações não conseguem suprir a demanda e desligam automaticamente ou precisam ser resetadas. A falha costuma ser mais frequente à noite, quando o número de pessoas utilizando eletrodomésticos e eletrônicos.


Razão pela qual é muito difícil que a matriz energética seja 100% renovável, pois, nessas situações, as usinas termelétricas são acionadas. “Considerando os fatores de segurança, ter fontes não renováveis também é um mecanismo para configurar um sistema diverso para caso de variações climáticas”, defende Sanches. 




Como a solução não vem de um único lugar e não será única, articular as políticas públicas é um trilema energético entre segurança, equidade e sustentabilidade. Fazer essa conexão é um processo complexo, difícil e de longo prazo, mas o primeiro passo foi dado pelo Ministério de Minas e Energia (MME) com a elaboração da Política Nacional de Transição Energética (PNTE), que prevê ainda a criação do Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE) e do Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE). Contudo, o Brasil gasta bem menos energia do que o que gera. Em 2023, o consumo de energia elétrica no país foi de 69.363 megawatts (MW) médios, sendo que a potência chegou a 200 gigawatts (GW), indicam divulgações da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).


Comparada à uma projeção do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em 2027, a oferta pode chegar a 281,56 gigawatts (GW), sendo que apenas 1 GW já é capaz de fornecer eletricidade para cerca de 1 milhão de residências por ano. Ou seja, a sobra de hoje vai aumentar e muito. “Seria legal que o mundo percebesse essa disponibilidade energética e trouxesse operações menos eficientes de consumo elétrico [que ainda não usam energia renovável] para cá”, sugere Sanches. 


Outra opção é exportar essa carga, transformando-a em hidrogênio verde. “Ainda não alcançamos a tecnologia necessária, mas o trabalho vem sendo executado”, afirma. Enquanto isso não acontece, o que é produzido a mais pelas hidrelétricas e fazendas eólicas e solares acaba sendo desperdiçado, pois os sistemas atuais exigem que o consumo seja simultâneo à geração, não havendo como guardar a energia sobressalente. “É necessário desenvolver e expandir a infraestrutura de transmissão e distribuição”, diz Cardoso. 


O transtorno não é só para as geradoras, como também para os consumidores, uma vez que essa dinâmica se traduz em custo na cobrança final. Sendo assim, surge aqui um novo conflito a ser solucionado. Água, vento, sol e o que mais? Biomassa e biocombustíveis. A crescente oferta de energia derivada do setor sucroalcooleiro e do agronegócio potencializam a matriz sustentável. Uma das matérias-primas mais conhecidas é a cana-de-açúcar, que concede ao Brasil o título de maior produtor mundial. Em 2022, os produtos da cana foram responsáveis por quase 26% da Oferta Interna de Energia (OIE) e, nesta safra de 2023-2024, devem ser produzidos mais de 600 milhões de toneladas da planta. Para o Prof. Dr. engenheiro agrônomo Antonio César Bolonhezi, conselheiro da Câmara Especializada de Agronomia (CEA), representante da Faculdade de Engenharia da Unesp, campus Ilha Solteira, a energia vinda dos campos é resultado de uma tradição e experiência no cultivo de canaviais. 


“O ProÁlcool [Programa Nacional do Álcool] deixou como herança uma rede de distribuição em praticamente todo o território brasileiro. Temos terra e tecnologia adequada, com universidades públicas que formam técnicos qualificados para atuar no setor. Além das instituições de pesquisa, como o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético, da Universidade Federal de São Carlos”, detalha. 


Segundo a Agronomia, isso se dá porque se trata de uma espécie com enorme adaptação às condições edafoclimáticas e passível de exploração por vários anos, extremamente eficiente em transformar CO2, água e luz em sacarose, insumo para o açúcar na forma como é comercializado. Outros produtos derivados são o álcool e o etanol. Por meio do bagaço se produz ainda a energia elétrica e, da vinhaça, o biogás. “O pé da cana é aproveitado 100%. Do caldo, produzimos açúcar e etanol. Do bagaço, temos papel, celulose, bioplástico e cogeração de energia elétrica com a queima em caldeiras. Da palha, fazemos etanol de segunda geração e também podemos produzir energia. Da vinhaça, temos o adubo rico em potássio, que reduz a utilização de fertilizantes químicos. Da cinza, mais adubo e corretivo de solo. É a cultura mais sustentável que eu conheço”, acrescenta o engenheiro agrônomo Fábio Freixo Brancato, inspetor chefe do Crea-SP pela cidade de Araçatuba. Outra iniciativa que ganha força e que dialoga com a produção e consumo de energia é o crédito de carbono. 


O mecanismo surge como uma possibilidade para interação para alcançar medidas de menor emissão de GEE. A Política Nacional de Biocombustíveis, instituída pela Lei 13.576/2017 e chamada de RenovaBio, tem o Crédito de Descarbonização (CBIO) como instrumento legal de negociação. “Os CBIOs contribuem para a conservação do meio ambiente, pois as usinas certificadas têm obrigação de garantir desmatamento zero, o que estimula a produção sustentável da cana-de-açúcar”, sintetiza Bolonhezi. O título pode ser comprado, na bolsa de valores, por empresas, grupos e nações que têm consumo energético de fontes não renováveis. Nesta perspectiva, é possível que funcione ainda como um potencializador da transição, valorizando países que geram energia de forma sustentável. “Para uma transição bem sucedida, precisamos enfrentar a modernização da infraestrutura elétrica, garantir investimentos em tecnologias limpas, e criar políticas que incentivem o uso de energias renováveis. Também é essencial promover a educação e a conscientização sobre a importância do tema”, finaliza Cardoso. 


Conteúdo produzido pelo Crea-SP - fonte site oficial do Crea-SP - www.creasp.org.br