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Conteúdo Técnico: Do subsolo ao oceano: o ciclo invisível do plástico

Especialistas explicam como a tecnologia pode ajudar a conter a poluição plástica global


A poluição plástica é um problema global que transcende fronteiras, ecossistemas e até camadas da Terra. Da contaminação das águas subterrâneas aos microplásticos encontrados no corpo humano, o alerta científico é claro: não há mais separação entre o que descartamos e o que consumimos. Conversamos com o geólogo Everton de Oliveira, Ph.D em Hidrogeologia pela Universidade de Waterloo (Canadá) e diretor-executivo do Instituto Água Sustentável, e o biólogo Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Cátedra da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) para a Sustentabilidade do Oceano, para entender como a Engenharia e a ciência podem atuar em conjunto no enfrentamento a esse desafio.


Qual é a dimensão do problema dos microplásticos? Everton de Oliveira: Estudos apontam a presença de cerca de 15 milhões de toneladas de microplásticos no fundo marinho e nos oceanos profundos. A concentração é tão alta que já se estima a existência de 14 partículas de microplásticos para cada grão de areia. Isso mostra o quanto essa contaminação é extensa e preocupante. O problema é que estes microplásticos, ao se dispersarem no ambiente marinho, entram facilmente na cadeia alimentar. Peixes e outros organismos os ingerem, muitas vezes por engano, na ausência de alimento. O plástico se acumula na carne, e, quando consumimos esses peixes, também ingerimos microplástico. A verdade é que o plástico, especialmente em sua forma micro, passou a fazer parte de toda a cadeia alimentar, e estamos apenas começando a entender os impactos disso para a saúde humana. Alexander Turra: Os impactos são variados e em diferentes escalas. Temos, por exemplo, os associados à biodiversidade, que ocorrem por conta da ingestão de itens plásticos de variados tamanhos. Quanto menor o item, maior o número de organismos que podem ingeri-lo. Os microplásticos acabam sendo um problema adicional porque até mesmo organismos que não conseguimos ver a olho nu podem ingerir essas partículas. Além disso, há impactos por emaranhamento, como a morte de animais afogados ou presos em redes, e a degradação de recifes de corais por linhas e materiais de pesca. Outro ponto crítico é a capacidade dos plásticos de atuar como vetores de poluentes, tanto pelos aditivos usados em sua fabricação quanto por compostos que absorvem do ambiente.


Há conexão entre a poluição dos sistemas subterrâneos de água doce e os ecossistemas oceânicos? 


EO: No contexto da poluição por microplásticos, é uma relação direta de conectividade e transporte. O descarte inadequado de resíduos em terra gera o chorume que pode infiltrar-se no solo e atingir as águas subterrâneas, que, por sua vez, se conectam a rios e outros corpos d’água. Esses rios funcionam como corredores entre o continente e o mar, levando não apenas água doce, mas também poluentes como microplásticos, vindos de lixo e aterros, e microfibras de roupas sintéticas. 


O que ocorre em terra afeta diretamente o oceano, tudo está interligado em um único sistema. Quais iniciativas estão em andamento para enfrentar essa crise? 

AT: Uma das iniciativas mais relevantes em andamento é o tratado global da Organização das Nações Unidas (ONU), atualmente em discussão, que pode estabelecer mecanismos, diretrizes claras e caminhos mais abrangentes para que os países promovam mudanças e evitem que os materiais continuem chegando ao ambiente, aos rios e ao mar. Um dos pontos centrais é a definição dos chamados plásticos problemáticos, aqueles que não devem ser utilizados em nenhuma circunstância. Outro aspecto importante é a responsabilidade estendida do produtor, que envolve toda a cadeia de valor. Precisamos pautar essa discussão com base no conceito de circularidade, adotando uma visão holística da questão, desde a produção até o destino final do plástico.


EO: É preciso integrar o conhecimento técnico com políticas públicas eficazes, educação de qualidade, campanhas de comunicação bem estruturadas e ações locais coordenadas que envolvam o poder público, o setor privado, a sociedade civil e os próprios cidadãos. Como o projeto “Maré de Ciência”, um programa de extensão da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), no campus da Baixada Santista, dedicado a trabalhar a difusão científica e o engajamento para fortalecer a interface entre ciência, políticas públicas e sociedade. Assim como campanhas de conscientização, a exemplo do “Praia limpa, oceano protegido”, com participação direta do Crea-SP, ajudam a levar a ciência à sociedade e mostram que todos têm responsabilidade no ciclo da água e do lixo.


Qual o papel da Engenharia e da tecnologia nessa agenda? 

EO: Profissionais da área tecnológica têm um papel central, seja no desenvolvimento de sensores e sistemas de monitoramento, seja em soluções eficazes, como caixas de gordura padronizadas em residências para evitar que o óleo de cozinha, um importante contaminante, atinja o sistema de esgoto. A inovação também está presente em ferramentas educacionais, como plataformas de realidade virtual que facilitam a conscientização ambiental. Além disso, surgem iniciativas com impacto social direto, como empresas que compram plástico reciclado de comunidades a preços subsidiados. Nesses casos, o material coletado se transforma em uma “moeda plástica”, que pode ser trocada por alimentos, créditos para celular ou outros benefícios. 


E a indústria, como pode contribuir com essa agenda? 

AT: É fundamental que a indústria entenda que este é o momento de repensar e mudar a lógica de produção, tanto no que se produz quanto a forma como se produz. É necessário investir em inovação, no desenvolvimento de novos produtos que sejam mais apropriados para a reciclagem e que contribuam para ampliar nossa capacidade de promover esse processo. Há bons exemplos, como o plástico verde, feito a partir da cana-de-açúcar, e a coleta de redes fantasmas do mar para produção de utensílios e acessórios. Mas é essencial que a produção esteja alinhada à capacidade de reciclagem local. A indústria precisa evitar a comercialização de plásticos problemáticos em locais sem estrutura para reciclá-los, adotando uma abordagem mais adequada a cada realidade. 


Como transformar o comportamento social em relação ao plástico? 

EO: A base de tudo está na educação, que deve ser tratada como prioridade estratégica e contínua, articulada entre governos, escolas, comunidades e empresas, com ações permanentes que dialoguem com a realidade local. A ciência tem o papel de evidenciar o problema, explicar as consequências e apontar soluções. Mas para surtir efeito, o conhecimento precisa ser acessível e conectado com a realidade das pessoas. A educação ambiental deve ser contínua, variada e emocionalmente engajadora. 


AT: A cultura oceânica precisa ser cada vez mais amplificada, compreendida e valorizada pela sociedade em diferentes frentes — desde a educação formal até iniciativas culturais e de entretenimento, como filmes, séries, exposições, podcasts e jogos interativos que trazem o oceano para o centro do debate e da sensibilização pública. O “currículo azul”, protocolo de intenções assinado em abril deste ano pelo Brasil, com apoio da Unesco, insere a educação sobre os oceanos no ensino básico. Trata-se de um compromisso pioneiro, mas que depende da capacitação continuada dos professores e materiais educativos adequados. É um projeto estratégico para transformar comportamentos e engajar a sociedade.





Saiba mais sobre os plásticos problemáticos


Plásticos problemáticos são tipos de plásticos ou produtos plásticos que, devido às suas características, composição ou forma de uso e descarte, causam desafios significativos para o meio ambiente e ou a saúde humana.



Plásticos de curta duração e de utilização única

Aqueles projetados para serem usados uma única vez ou por um período muito breve, como embalagens descartáveis, sacolas plásticas, copos, talheres, canudos, etc. O grande volume de produção e descarte desses itens contribui massivamente para a poluição.


Plásticos que contêm microplásticos adicionados intencionalmente 

Partículas plásticas minúsculas (geralmente menores que 5 milímetros) que são adicionadas a produtos como cosméticos, produtos de higiene pessoal (esfoliantes, pastas de dente) e detergentes. Eles são liberados diretamente no meio ambiente após o uso.


Plásticos de difícil reciclagem ou não recicláveis

Alguns tipos de plástico, ou embalagens com múltiplas camadas de materiais diferentes, são complexos ou inviáveis de serem reciclados pelos sistemas atuais, acabando em aterros sanitários ou no meio ambiente. Exemplos incluem isopor (poliestireno expandido), PVC e embalagens com "negro de fumo" (carbon black) que não são detectáveis pelos sistemas de triagem ótica.


Plásticos que liberam substâncias tóxicas

Certos plásticos, como o PVC (policloreto de vinila) e o policarbonato (que pode liberar BPA), podem liberar substâncias químicas perigosas durante sua produção, uso ou decomposição, impactando a saúde humana e o meio ambiente.


Artes de pesca abandonadas, perdidas ou descartadas (APAPD)

Redes e outros equipamentos de pesca feitos de plástico que são perdidos ou descartados no oceano, causando "pesca fantasma" (continuam a capturar animais marinhos) e poluição.


Fonte: Crea SP - visite o site oficial www.creasp.org.br   




RESUMO do CONTEÚDO TÉCNICO


A poluição plástica global: um ciclo invisível do subsolo ao oceano


A poluição plástica representa um desafio global que atinge todas as esferas do planeta, desde as águas subterrâneas até o corpo humano. Especialistas alertam que não há mais distinção entre o que é descartado e o que é consumido. O geólogo Everton de Oliveira e o biólogo Alexander Turra, da USP, explicam como a engenharia e a ciência podem atuar para conter essa crise.


Estudos revelam a presença de cerca de 15 milhões de toneladas de microplásticos no fundo marinho, com uma concentração alarmante de 14 partículas para cada grão de areia. Esses microplásticos entram facilmente na cadeia alimentar marinha, sendo ingeridos por organismos e, consequentemente, por humanos, cujos impactos na saúde ainda estão sendo compreendidos. Além da ingestão, há impactos por emaranhamento e a capacidade dos plásticos de atuar como vetores de poluentes.


A poluição dos sistemas subterrâneos de água doce e dos ecossistemas oceânicos está diretamente conectada, com o descarte inadequado em terra levando microplásticos para rios e, por fim, para o mar. Iniciativas globais, como o tratado da ONU, buscam estabelecer diretrizes para que os países promovam mudanças e evitem a chegada desses materiais ao ambiente. Um ponto central é a definição de "plásticos problemáticos" – aqueles que não devem ser utilizados.


A engenharia e a tecnologia desempenham um papel crucial no desenvolvimento de sensores, sistemas de monitoramento e soluções eficazes, como caixas de gordura padronizadas e plataformas de realidade virtual para conscientização. A indústria deve repensar a lógica de produção, investindo em inovação e no desenvolvimento de produtos mais recicláveis, alinhados à capacidade de reciclagem local. A transformação do comportamento social, por sua vez, depende de uma educação ambiental contínua, acessível e engajadora, que valorize a cultura oceânica e promova a responsabilidade de todos no ciclo da água e do lixo.


Fonte: Crea SP - visite o site oficial www.creasp.org.br